Numa manhã
destas resolvi dar uma volta, a pé, pela cidade. Não dei o tempo por mal aproveitado. Há coisas que, por vezes tão perto delas, não observamos com o devido
tempo e cuidado. Refiro-me, por exemplo, ao parque habitacional da cidade. É
visível a sua degradação. Casas velhas a ameaçarem ruína são em número tão
elevado que merecem uma atenção especial e necessitam de uma intervenção
imediata. Naturalmente que não é fácil. Mas é um desafio que importa encetar para que não venhamos a ter ocorrências desagradáveis...como já aconteceu. E foi
precisamente no coração da cidade que, neste fim-de-semana, encontrei “um
velho companheiro dos bancos da escola” e
que há muito não via. Como sempre acontece nestas ocasiões, levámos algum tempo
a recordar o percurso levado por cada um, nos últimos anos. Passados esses
preliminares, o meu “velho companheiro de escola” afirmou-me que era um portalegrense privilegiado. Admirado,
perguntei-lhe a razão de tal afirmação. Retorqui-me que, vivendo há vários anos
em Lisboa, só assiste de longe ao que por aqui se passa e, pontualmente, sofre com
os lamentáveis episódios e ocorrências que em Portalegre se vão dando. Perante
o meu ar estupefacto logo acrescentou que era visível a degradação de
Portalegre, enquanto centro económico relevante do Distrito e a base de
reflexão útil para o nosso futuro colectivo. Após um período em que Portalegre
foi estimulante, no qual parecia querer ter uma palavra no desenvolvimento do
interior durante a década de sessenta, diversos erros cometidos, assim como
alguns dados objectivos, tornaram todo esse esforço incapaz de sustentação e num
lugar onde os cidadãos mais novos não se realizam. As manifestações recentes
dessa queda inapelável são algumas e tristes. Preferiu não as referenciar, pois
são conhecidas de todos. Antes, quis referi-las sob uma formulação mais
“elegante”.
Sabes, disse o meu interlocutor, eu penso que:
Sabes, disse o meu interlocutor, eu penso que:
- a estratégia de então cedeu à preguiça e
à incompetência;
- a cooperação e a ambição derivaram para
negociatas e rivalidades "paroquiais";
- a altivez burguesa passou a parolice
provinciana;
- a fixação dos melhores e de maior
potencial foi vencida pela sua fuga.
O desnorte foi,
e vai assim acontecendo, um pouco por toda a parte desde os eleitos à
administração até os intelectuais, aos partidos, às elites e, principalmente, aos jovens.
Após as
despedidas, cada um se fez ao seu percurso. Meditei então nas palavras
trocadas, com o meu “velho companheiro dos bancos da escola”, que me pareceram
sensatas e actuais. Na verdade, a degradação não é só do parque habitacional. A
degradação do colectivo é muito mais preocupante.
Por isso, o
meu apelo às figuras de Portalegre que prosseguem nos seus pequenos territórios
a sua actividade económica, social, investigadora e artística, aos “lagóias” que, espalhados pelo país e
pelo mundo, souberam granjear reconhecimento - sem deixarem de manter um olhar
atento sobre as suas origens - aos anónimos e clarividentes cidadãos de
Portalegre, quer sejam “lagóias ou
estrangeiros”, para encontrarmos forças para um grito de revolta individual
e de um esforço de renovação colectiva. É que, perdoem-me as excepções, não
podem ser aqueles senhores aparelhistas
partidários, carreiristas políticos, representantes associativos à procura de
protagonismo e agentes económicos a tratar dos seus negócios particulares os
que moldam a nossa imagem e falam em nosso nome. É tempo de em Portalegre
haver respeito pela liberdade e
condições para derrotar a cobardia, o medo, o comodismo e de criar uma sociedade em que os
poderosos não enriqueçam à custa dos desfavorecidos.
Manuel Morujo
Nov.2004