sábado, 22 de dezembro de 2012

GUIZOS, GATOS E RATOS


“Não procures esconder nada. O tempo vê, escuta e revela tudo.”
Sófocles (495-405 a.C.)

Revelar o que se pensa, ou o que se sente, é hoje em dia, só por si, um acto de coragem. Muitas vezes há quem se meta por caminhos sinuosos dos quais não mais sai ou, acontecendo o inverso, sai maltratado. Vezes sem conta isso acontece por se ser pouco sensível à crítica ou, pior ainda, por se gostar mais de ver o cisco nos olhos dos outros.
A sociedade actual, onde estamos inseridos, sofre uma mutação constante e veloz, esquecendo princípios e referências com a mesma facilidade com que se abre uma torneira para verter água. Passou-se a ser acusador sem qualquer fundamento ou conhecimento de causa e sentimo-nos vítimas se tocarem no nosso ego. Coabitamos numa sociedade cada vez mais hipócrita, desumanizada e agressiva.
Será por isso que estamos no limiar da vergonha e da seriedade, da afectividade e da fraternidade, do hábito e da vontade do que deve ser um ideal e o meio de o realizar?
Será também por tudo isto que o Povo Lusitano está com a auto-estima débil, com entusiasmo pouco visível, profundamente abatido, apático e enfraquecido?
Provavelmente estará e, convenhamos, com alguma razão. A imagem negativa que cada vez mais vamos dando de nós próprios a essa Europa que nos vai voltando as costas é própria dum país subdesenvolvido em que os escândalos são uma praga, a impunidade uma constante e a justiça peca por tardia. Será que face a tudo isto as instituições, as organizações e até a própria democracia estarão em crise?
A notícia, que me levou a meditar desta maneira, tem a ver com o facto de não terem sido cobrados 11.300 milhões de euros! (dois mil e trezentos milhões de contos) de I.R.C. a empresas que faliram (!), não apresentaram lucros (!) ou não declararam o imposto (!). Para dar uma ideia, aquela importância corresponde a cerca de dois orçamentos anuais do Ministério da Saúde.
A propósito, permitam-me caros leitores contar uma fábula, lida a tempos idos:
“Há muito tempo que alguns ratos, oriundos da cidade e do campo, procuravam um lugar condigno para viver. Depois de várias diligências, conseguiram ocupar um velho palacete. O sentirem-se donos e senhores desse amplo espaço dava-lhes uma felicidade e segurança, até então nunca experimentadas. Aí passavam os dias entregues às mais variadas tarefas.
Certo dia, esqueceram-se de tapar a gateira. Foi então que, furtivamente, um gato se introduziu no palacete e, de imediato, começou a fazer das suas. Quanto atacava era mais rápido e mortífero que um relâmpago.
Alarmado, com o que se estava a passar, o Presidente da rataria convocou uma Assembleia-Geral. Descrita a situação, foi entendido que a Assembleia não terminaria sem ver resolvido o problema. As ideias sucederam-se. Já perto do final, eis que um rato da cidade, conhecido pelo seu saber, pede a palavra:
- Tudo o que acaba de ser dito não passa de banalidades. A única solução é pendurar um guizo no pescoço do gato. Assim, cada vez que ele se mexer, o guizo toca e avisa-nos do perigo, dando-nos tempo a fugir. Após um silêncio profundo, os ratos gritaram em uníssono: muito bem, apoiado, excelente ideia.
 Entretanto, a um canto da sala encontrava-se um ratito do campo a quem o analfabetismo e timidez inibiam de se expressar. Lá se encheu de coragem e pediu a palavra. O rato, que presidia à sessão, mandou-o sentar, argumentando que não havia mais nada a tratar. Mas o ratito tanto insistiu que lhe foi permitida a palavra:
- Cá a meu ver o nosso colega da cidade teve uma boa ideia e penso mesmo que irá resultar. Mas gostaria de perguntar, quem é que vai pôr o guizo ao gato?
Cabisbaixos, e a olharem-se de soslaio uns para os outros, todos os ratos se afastaram para os seus aposentos. O facto é que o gato continuou sem guizo, acabando por dizimar toda aquela comunidade de ratos.”
(Manuel Alberto Morujo)
Abril de 2004


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O ZÉ ANDA TRISTE


“Os teus actos, e não os teus conhecimentos, é que determinam o teu valor”.
Johann Fichte (1762-1814)

Um dia destes encontrei o Zé, sozinho como sempre. Andava um pouco taciturno, cabisbaixo e melancólico. Cumprimentei-o, como sempre acontece. Mas desta vez, aproximei-me dele. Apesar de inicialmente ter feito questão de que não estava muito dado para conversas, lá reconsiderou e convidei-o a tomar um café. Sentados, iniciámos o diálogo:
- Sabes, caro amigo, cada vez estou mais desiludido com a política mas, acima de tudo, com os políticos.
- Mas a que se deve tão grande desânimo? Ainda há dois anos andavas tão crédulo, após alguém ter prometido que tudo iria mudar na tua vida e na dos teus concidadãos?
- Pois aí é que está a razão do meu descontentamento. Então não é que acreditei nele. Prometeu baixar os impostos, reduzir as listas de espera hospitalares, não investir em comboios e aeroportos, assim como submarinos e aviões, enquanto houver crianças com fome. Prometeu, também, diminuir a taxa de desemprego, melhorar as pensões e as reformas e, já me ia esquecendo, diminuir o défice.
- Mas o défice baixou e, se bem te recordas, ainda na semana passada era visível o contentamento do Primeiro – Ministro, no Parlamento, por ter sido reconhecido por Bruxelas esse esforço, o que levou à retirada de Portugal da “lista da negra dos não cumpridores”, como a França e a Alemanha. Ou tens dúvidas de que essa era a principal “herança” deixada pelo anterior Governo.
- Bem se vê que andas distraído. O défice real de 4,1% baixou para os 2,8%, mas à custa da hipoteca de dívidas ao City Bank, sem que seja do conhecimento público a taxa de juro aplicável.
- Sendo assim, a União Europeia não nos corta nos subsídios, uma vez que fomos “bons alunos” e não “cábulas” como acontecia anteriormente.
- Pois aí é que está a razão da minha discordância. Deixa-me dar-te um exemplo. Se uma família estiver em situação financeira débil e resolver hipotecar ou vender “as pratas herdadas da família”, naturalmente que resolve o problema. Mas fica sem património. E sem património não tem crédito. Por isso, discordo desta forma pouco transparente de reduzir o défice. Para já não falar sobre o aumento de impostos, (o I.V.A. desde há dois anos aumentou 2%), dos combustíveis (0,08 € desde Janeiro), das listas de espera que não diminuíram e também continua a haver crianças com fome. Em contrapartida, há dinheiro para os comboios e para os submarinos.
- Mas caro amigo Zé, estás demasiado pessimista. O Primeiro – Ministro também prometeu que, para o ano, os funcionários públicos irão ser aumentados e as pensões mínimas convergirão com o salário mínimo, até 2006.
O Zé que, embora não pareça, também sabe pensar, retorquiu:
- Estamos a pouco mais de um mês das eleições para o Parlamento Europeu e a pouco mais de cinco meses para as eleições Regionais nos Açores e na Madeira. Lá para os finais do próximo ano, haverá eleições para as Autarquias e, pouco depois, eleições Legislativas. E, em 2006, para a Presidência da República.
- E o que é que isso tem a ver com os aumentos anunciados?
- Tem a ver com o facto de que em Portugal se Governa tendo em conta os actos eleitorais, em detrimento das promessas eleitorais.
E lá foi cada um para o seu lado, após as despedidas.
(Manuel Alberto Morujo)
(Escrito em Maio de 2004. Era Primeiro-Ministro de Portugal, Durão Barroso)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

AS PROFECIAS DE CAVACO SILVA


Estávamos em Março de 2002. No decorrer de uma Conferência na Faculdade de Economia do Porto, e a propósito da sustentabilidade da Segurança Social, Cavaco Silva referindo-se à quantidade de funcionários públicos em Portugal (cujo numero, diga-se de passagem, aumentou significativamente durante os dez anos em que ele foi Primeiro-Ministro), disse “a páginas tantas:
“Como é que nos vemos livres deles? Reformá-los não resolve o problema, porque deixam de descontar para a Caixa Geral de Aposentações e, portanto, diminui também a receita do IRS. Só resta esperar que acabem por morrer.”
Esta extraordinária declaração, que revela uma total insensibilidade humana, é própria dum tecnocrata da política que apenas vê números, números e números. E pelos vistos, qual Nostradamus, acontece.  

DESABAFO


Não me levais a mal que, nesta época em que a hipocrisia mais anda por aí, emita um desabafo. Só com ele ficarei aliviado, sem aperto no coração ou fantasmas na consciência.
Cito Miguel Torga:
“Aqui, neste país e nesta hora.
Aqui, junto dos meus,
Mortos e vivos,
Aqui, de pés atados,
Livre como os balões cativos,
Que pairam, ancorados.”
A nossa história pessoal é um somatório de pequenas e grandes decisões. Embora o elogio seja pouco frequente, todos gostamos de ver reconhecido e apreciado o nosso esforço. Se na verdade aqui ou ali esse elogio surgiu, verdade é que, retirado ou forçado à retirada, surge o cair da parra. Estou farto de me vestir todos os dias, de cumprimentar todos os dias, de dizer todos os dias sim. A vida é cruel, excede muitas vezes o imaginável. Quando dei pelo que ela tem de reles e de grotesca, veio-me a tristeza.
É sabido que grande parte do nosso quotidiano é comandada pela força dos hábitos. É graças a eles que executamos, sem grande dispêndio de tempo e energias, um ilimitado número de actos. Muitos hábitos começam por ser frágeis teias de aranha que, pouco a pouco, se transformam em fortes cordas de aço que aprisionam a espontaneidade e criatividade.
“Viver não é necessário. Necessário é criar” escreveu Fernando Pessoa.
E eu considero-me criativo, mas passei o período de validade. Interesso-me pelos pontos de vista e problemas dos outros e interrogo-me, habitualmente, porque se hão-de fazer as coisas de determinada maneira e não doutra, ou simplesmente porque se fazem?
Teixeira de Pascoaes disse em verso:
“Tenho, às vezes, saudades do futuro
Como se ele já fora decorrido.”
É que o futuro, que desejo, aparece-me como uma espécie de já vivido ou, talvez melhor, como qualquer coisa que pressinto e que acho que me foi prometida.
Devo reconhecer aqui e agora que, nos últimos anos, as coisas não funcionaram. Foram as circunstâncias. De entre todas, destaco o empenho pessoal para dar vida e sustentabilidade ao Movimento de Cidadãos do Norte Alentejano, em 2006, e assim poder ser útil com a força do trabalho e dos conhecimentos adquiridos ao longo da vida pessoal e profissional. Da grande maioria contactada, recebi um silêncio ensurdecedor. Nem um abanar da folha, nem um silvo. Foi então que senti que, muitos conhecimentos, não são sinónimo de amizade.
Talvez tenha errado nas apostas políticas e naquilo que me expus ao emitir opinião, publicamente. Mas não estou arrependido do percurso que fiz, o qual reconheço, não me deu frutos. Pelo contrário, prejudicou-me.
Termino, não com votos do que não sinto, mas com os desejos de que “a noite de breu” seja mais breve  do que se adivinha.
E citando Leão Tolstoi:
“É pena a gente abandonar tudo aquilo com que vivi e estava habituado! Mas, que se há-de fazer? É preciso, também, a gente habituar-se ao que é diferente