segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O PAÍS NÃO MUDA

“A mentira é como a desgraça: nunca vem só.”
                                         Alexandre Vinet (1797 – 1847)

“O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem, por única direcção, a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O Povo está na miséria. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. O tédio invadiu todas as almas. A ruína económica cresce, cresce, cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado, na sua acção fiscal, como um ladrão e tratado como um inimigo.”
Este era o retrato do País, tal como então o caracterizava Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão nas suas crónicas mensais da política, das letras e dos costumes, através de opúsculos com o título de “As Farpas”. Reinava em Portugal, D. Luís. As lutas entre absolutistas e liberais faziam-se ainda sentir. Os últimos dias da Monarquia aproximavam-se.
     As lutas palacianas, de então, não eram diferentes das vividas hoje. Passados mais de cento e trinta anos, como é possível constatarmos que nada mudou, nada evoluiu, tudo continua como dantes! E com a agravante de nada termos sabido aprender com os acontecimentos vividos e de não termos alterado, em nada, o nosso comportamento.
  É um facto que a história se repete. Que os homens, principalmente os políticos, não aprendem com os erros cometidos pelos seus antepassados. Que a ambição desmedida e o desnorte leva a que alguns se julguem possuidores da verdade, nem que para tal seja necessário fazer baixa política. Mas parece que nada se altera. Passado mais de um século, verificamos, infelizmente, que a situação política, social e económica, não evoluiu. Pelo contrário, marcou passo. E assim, o País definha caindo pelo abismo... e  não se avista o fundo.

Manuel Alberto Morujo
(Distrito de Portalegre, 28 de Janeiro de 2005)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

CARTÃO BIG BROTHER

Título duma notícia na primeira página do semanário O SOL.
http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=12654
Será que o cartão de eleitor também poderá identificar quem enriqueceu indevidamente, corrompeu e foi corrompido, influencia e é influenciado, tem cartão de crédito para utilizar com amigos e amigas, a quem saiu o euromilhões ou o totobola, quem vive abaixo do limiar da pobreza ou na solidão e, já agora, quantas vezes pode ir à casa de banho e lavar os dentes por dia. No limiar das circunstâncias, porque não colocar quantas "quecas" pode dar por semana!

QUALIDADE DE VIDA, A CADA UM SEU PALADAR


Vivemos numa época em que o dinheiro, aliado ao poder que confere, é encarado como sinónimo de qualidade de vida. Em contrapartida, aqueles, que aspiram à concretização de valores não materiais, são olhados de soslaio por esta sociedade massificada, que tudo pretende uniformizar: valores, gostos e comportamentos.
Felizmente que a sociedade de massas, apesar dos esforços que tem despendido, ainda não conseguiu globalizar o pensamento. E, enquanto assim for, o conceito de qualidade de vida, face à subjectividade que encerra, continuará a ser indefinível.
Tenho para mim que a qualidade de vida é, acima de tudo, um conceito social que se vai construindo de acordo com o que recebemos, não só através do meio onde vivemos e que nos rodeia, mas também por outros agentes externos, tais como a comunicação social e a publicidade.
É por isso normal que assistamos ao estrondoso êxito da denominada imprensa “cor-de-rosa” ou ao avassalador número de candidatos a “reality shows”, tipo Big Brother porque, neste modelo civilizacional onde nos movemos, é ideia que só o sucesso conferirá a qualidade de vida a que se aspira. E o protagonismo é o caminho certo.
Vivemos numa sociedade:
onde a publicidade procura comandar os nossos comportamentos e fazer acreditar que, só através do consumo, se poderá atingir o prazer e ter reconhecimento social;
em que há pessoas para quem o padrão de qualidade de vida é definido pela posse de uma parafernália de bens materiais, cuja aferição só será possível se se tiver, ou aparentar ter, um elevado poder aquisitivo;
em que os defensores do consumismo visam obter o prazer e a felicidade materiais, em contrapartida àqueles que enobrecem a defesa de valores não materiais, os quais desejam viver num ambiente saudável com garantia de segurança, como forma de garantir a qualidade de vida.
Aqui há uns tempos, num programa de televisão, uma repórter perguntava a uma simpática cidadã, qual era para ela o bem mais precioso para a fazer feliz. A resposta surgiu de imediato: dinheiro, muito dinheiro.
A repórter, admirada com a resposta pronta da cidadã, voltou à carga: mas não acha que a saúde é mais importante que o dinheiro?
Sem demora a cidadã respondeu: saúde? Para que quero eu a saúde se não tiver dinheiro para a gozar? Venha primeiro o dinheiro, que depois a saúde logo se há-de arranjar.
Esta cena ilustra bem a subjectividade da questão e a dificuldade em encontrar a resposta adequada para definir o que é qualidade de vida.
Todavia, ainda é possível encontrar pessoas que, embora despojadas de bens materiais e com parcos recursos financeiros, afirmam, sem hesitação, que têm UMA BOA QUALIDADE DE VIDA. Estas serão, porventura, mais felizes.
MANUEL ALBERTO MORUJO

(4 de Setembro de 2003)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

OLÁ, EU SOU O CHICO. LEMBRAM-SE DE MIM?

Eu sou o Chico. Soube que acabaram com a minha residência. Assim como eu, também os meus amigos peixinhos lamentam que os nossos descendentes não tenham podido continuar a viver nesse local. Mas são os ventos do "desenvolvimento" e da "mudança", quiçá da negligência de alguém, que levou a isso. Restam as memórias, inclusive as imagens, pois estas nunca as poderão suprimir dos Portalegrenses...e não só.   

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

REFLEXÃO EM OUTUBRO DE 2003

O POVO PORTUGUÊS tornou-se, quer na euforia quer na depressão, um POVO DOENTE. É fácil constatar que cada vez há mais portugueses a refugiarem-se no soporífero (televisão e futebol), no excitável (voyarismo e erotismo), no sobrenatural (seitas e astrologia) e na evasão (modas e drogas) recusando-se a pensar, a conhecer e a intervir. Mais: a reflexão intelectual fez-se um desperdício, a competência profissional um supérfluo, a honradez pessoal uma inconveniência, a dignidade cívica uma velharia. Não provocar ondas impõe-se uma divisa. É-se apreciado pelo que se diz, não pelo que se faz. É-se retribuído pelo que se exibe, não pelo que se aprofunda.
(MANUEL MORUJO)


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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

POLIS - Portalegre Opaco, Letárgico, Imerso e Solitário

“Querer, é quase sempre poder. O que é excessivamente raro é o querer.”
Alexandre Herculano (1810-1877)        


Lagóias e estrangeiros, gente Portalegrense, acordai e levantai-vos contra a miscelânea de atitudes, atropelos, incorrecções e prepotências com que todos os governos deste  País, desde a entrada na União Europeia, têm ostracizado e excomungado esta pobre gente humilde e trabalhadora que, por infortúnio do destino, vive na zona mais periférica da Pátria Lusitana, senão ultra-periférica em relação à Europa dos Quinze.
Quantos de vós não se sentirão enganados e vítimas das promessas e falsidades que, ao longo dos anos, foram formuladas por todos os candidatos à chefia do Governo quando por aqui passaram em campanha eleitoral, ao prometerem que Portalegre não seria esquecida e deixaria de ser uma zona periférica, o desenvolvimento teria que acontecer, as assimetrias entre o interior e o litoral seriam combatidas e seriam criadas as condições para aumentar o investimento e, consequentemente, os postos de trabalho... "béu, béu, béu, pardais ao ninho" e... é o que se vê. 
De vez em quando passa por aqui um governante, dá umas voltas e mostra-se-lhe umas coisas. Ficam umas promessas e elogia a gastronomia,  leva uns queijos, chouriços, vinhos e, quando não, uma tapeçaria, até umas boleimas para a sobremesa e ala, vai-se daqui pregar para outra freguesia com o mesmo discurso... mas que lhe dá mais votos.  Pois, porque esta coisa da aposta no desenvolvimento faz-se onde dá mais votos, onde há mais pessoas, onde se podem gastar mais milhões para se ter o retorno do investimento e a manutenção do "status quo" num ritmo alucinante do vira agora vens para cá tu, depois viras tu e vou para lá eu. Intérpretes, deste baile mandado são... quem adivinha? Acertou, caro leitor: o Partido Social - Democrata e o Partido Socialista.
Chegado aqui, já sei que alguns comentarão: este escriba está ressabiado. E tem razão quem assim pensa. Sinto-me desgostoso, melindrado, ofendido.
Fui dos primeiros, há alguns anos, a defender publicamente a importância dum Lóbi para "forçar" uma estratégia para o desenvolvimento local. Consegui, embora não sozinho, mobilizar as forças vivas da cidade para uma reunião que foi um marco na junção de representantes do poder político, das associações patronais e sindicais, das autarquias e até do Governador Civil. Aí se esboçou um Lóbi que devia servir para ser a voz dos mais desprotegidos. Este Grupo chegou mesmo a ser recebido pelo então Ministro das Obras Públicas, Jorge Coelho, a quem se apresentaram as razões da nossa reivindicação e o facto de Portalegre ser a única capital de Distrito por onde não passava, nem passa, nenhum comboio inter-cidades. Já lá vão quatro anos e, desse Lóbi que se foi evaporando...nada resta.
E porquê voltar a este tema? Simplesmente porque, no fim-de-semana passado, a cimeira entre os Primeiros- Ministros Ibéricos determinou quais as quatro ligações de Portugal a Espanha por T.G.V. E nós, lagóias, uma vez mais ficamos a cinquenta quilómetros do progresso. Não bastou a auto-estrada Lisboa - Elvas, do Professor Cavaco, fazer uma barriga por Évora também agora o T.G.V., do Doutor Durão, fará uma barriga por aquela cidade, com a agravante de se gastar mais uns milhões para uma nova ponte sobre o Tejo. Isto é: não há dinheiro, o País está de "tanga" ou melhor, "nu" e opta-se por fazer a ligação Lisboa – Madrid, não pela via mais rápida e mais económica - como a que existe há tantas décadas com a ligação via Castelo de Vide, Cáceres – mas cedendo aos grandes Lóbis. E, vai daí, constrói-se mais uma Ponte sobre o Tejo, em Lisboa, vai-se até ao Montijo, faz-se um desvio por Évora, vai-se até Badajoz, Mérida e Cáceres e lá se segue até Madrid. Mas a pergunta que deixo é esta: então o T.G.V. é um transporte ferroviário para fazer um determinado percurso no mais curto espaço de tempo ou é para satisfazer interesses em função dos Lóbis existentes? Afinal é ou não uma infra-estrutura que fomenta o desenvolvimento? E, se houvesse uma melhor e mais adequada distribuição das verbas, então seria ou não possível que a diferença de custos fosse aplicada em investimentos nas áreas mais isoladas e periféricas? E que dirão sobre isto os dignos representantes dos Lagóias? Aos costumes dizem nada.
Isolados das grandes vias rodoviárias, e ferroviárias, com o aumento do desemprego, com a diminuição de postos de trabalho, para onde caminhamos, senão para o POLIS - Portalegre Opaco, Letárgico, Imerso e Solitário.
MANUEL MORUJO
DISTRITO DE PORTALEGRE (14.NOV. 2003)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

domingo, 20 de fevereiro de 2011

QUANDO PORTALEGRE ERA UMA CIDADE E...CAPITAL DE DISTRITO

       PLÁTANO DO ROSSIO, EM PORTALEGRE, NO INÍCIO DOS ANOS 60

Nos anos sessenta, Portalegre era uma cidade com gente e com vida. Não só por ser a Capital de Distrito, e nela estarem os serviços da Administração Pública, mas também pelo facto de haver cerca de cinco mil postos de trabalho ligados à indústria (Robinson Brothers, Fábrica de Lanifícios e Manufactura de Tapeçarias) e um comércio que florescia graças aos quase trinta mil habitantes nela residentes. A Rua do Comércio, assim como a Rua 5 de Outubro, era um verdadeiro Centro Comercial onde as várias vertentes comerciais estavam disponíveis, para além das tradicionais "Tascas", Cafés e o Banco Nacional Ultramarino. Por ali circulava a maioria da população, quer em compras quer em passeio, ou para a deslocação para o trabalho. Aqui e ali surgia a ronda, pedestre, da PSP, cuja presença era suficiente para dissuadir qualquer tentativa menos legal e também a GNR que, numa manifestação de força e autoridade, levava um qualquer embriagado, que provocara distúrbios, ou alguém que se tinha apoderado do alheio. Os estudantes, principalmente os do Liceu com os seus trajes de Capa e Batina, davam uma ar de jovialidade à cidade, nomeadamente junto ao Café Alentejano e ao Café Central que, alternadamente, era considerado o Café dos Estudantes, onde jogavam bilhar e outros jogos de tabuleiro, estudavam ou "finjiam" estudar, mas sempre com o "olho a postos" para verem passar uma colega ou aquela "cara laroca", da qual andavam "atrás". Os Domingos, esses sim verdadeiros dias de descanso e passeio, onde não faltava a Missa Dominical quer na Sé, quer em São Lourenço, eram aproveitados para os estudantes irem ao "santo sacrifício da missa" para verem as namoradas, com uma "saíta" mais arrojada, acompanhadas das Mães ou outras familiares que se vestiam para uma autêntica "passagem de modelos" com o pó de arroz e o ruge no rosto, para esconder uma ou outra ruga - ou noite mal passada - e os lábios pintados com batom avermelhado, tipo Marilyn Monroe, as quais faziam as delícias dos muitos observadores que se colocavam às portas dos Cafés, a engraxar os sapatos, para as verem passar. Também ponto de ordem para os Estudantes era seguirem as "meninas do Colégio, que, duas a duas, com Freiras à frente e atrás da "coluna", impediam um ou outro mais ousado que queria entregar um "bilhetinho" à sua "querida". 
Já de noite, o Crisfal enchia-se de gente para ver o filme esperado...há muito. Chegado o intervalo, o cheiro a Tabu e Madeiras do Oriente, delas, misturava-se com o Lavanda e o Old Spice, deles, no hall onde se circulava ou se faziam grupos para conversar. E era assim a minha Cidade há décadas. Agora, outros tempos, outras formas de estar e viver...mas que não afastam da memória estas recordações. Coisas de "velhos" para "velhos" e... para todos os outros que um dia também o serão.
(Manuel Morujo)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

POR E PARA ONDE CAMINHAM OS PORTUGUESES

“Para falar ao vento bastam palavras. Para falar ao coração são necessárias obras”.
Padre António Vieira (1608-1697)

Só o humano possui a capacidade de inventar tudo acerca do mundo e acerca de si próprio, para se perspectivar como humano e, consequentemente, agir como tal. Efectivamente, numa sociedade em permanente e acelerada mutação, como é aquela em que vivemos, cada vez faz mais sentido mudar, inovar. Temos de mudar é dito por políticos e governantes, educadores e cientistas, jovens e pais, dirigentes e professores, empresários e gestores. No entanto, são palavras vãs que a realidade confirma. Na verdade, o desinteresse, a impotência e a ignorância são forças negativas que impedem ou dificultam a abertura à mudança, a qual passa, fundamentalmente, pela criatividade. Se é certo que todos nós possuímos talentos criativos, que tal como as aptidões físicas e intelectuais podem ser treinados e desenvolvidos, não deixa de ser também certo que a sua manifestação varia de pessoa para pessoa, dependendo bastante do contexto sócio-cultural em que nasce, cresce e vive.
Mas a realidade é bem diferente. A mudança de hábitos e atitudes não acontece. E por isso, o POVO PORTUGUÊS tornou-se, quer na euforia quer na depressão, um POVO DOENTE. É fácil constatar que cada vez há mais portugueses a refugiarem-se no soporífero (televisão e futebol), no excitável (voyarismo e erotismo), no sobrenatural (seitas e astrologia) e na evasão (modas e drogas), recusando-se a pensar, a conhecer e a intervir. Mais: a reflexão intelectual fez-se um desperdício, a competência profissional um supérfluo, a honradez pessoal uma inconveniência, a dignidade cívica uma velharia. Não provocar ondas impõe-se uma divisa. É-se apreciado pelo que se diz, não pelo que se faz. É-se retribuído pelo que se exibe, não pelo que se aprofunda.
E, chegados aqui e agora a este estado de coisas, é minha convicção que isto só se alterará quando cada um de nós deixar de ser um mero espectador passivo do teatro levado a cabo por actores que fazem da política a arte de mentir tão mal, pensando que só poderão ser desmentidos por outros políticos. Excluindo aqueles que aqui e ali vão denunciando e destapando os males da actual sociedade (de que é exemplo alguma, pouca, comunicação social) o facto é que, tirando alguns grupos instalados no regime, nas instituições, nos privilégios ou nos consumos, os restantes, a maioria da população, descobre-se insegura, desamparada, desmente, apática, com medo da vida e do futuro, da realidade e da ousadia.
Tudo isto, no fundamental, tem a ver com a forma desfavorável ou favorável onde o indivíduo é chamado a evoluir. Tem a ver com a EDUCAÇÃO, a CULTURA e os HÁBITOS que respiramos.
Mas nós, portugueses, somos assim. Com três batatas no prato (quando as há), futebol aos domingos (e não só), feriados que calhem em dia de semana (se possível com ponte) e telenovelas da vida real, temos o português feliz.
Pobre país o meu que, cada vez mais, se vê afastado do resto da Europa, mostrando sinais de riqueza exteriores (como a construção dos estádios de futebol), mas aumentando as dificuldades daqueles que são os mais desprotegidos, como os trabalhadores que, dia a dia, vêem os seus empregos ameaçados, senão mesmo até perdidos. Por onde e para onde caminhas, Portugal?
Manuel Alberto Morujo
(21 de Outubro de 2003)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O ISOLAMENTO

Mas…o que está a acontecer?
“É pena a gente abandonar tudo aquilo com que viveu”.
Leão Tolstoi (1828 - 1910)
A expansão das economias faz do mundo um mercado aberto e interdependente, o que exige uma actualização permanente de conhecimento. Também o crescimento da população mundial traz consequências de vária ordem no âmbito social e ambiental, nas áreas alimentar e habitacional, assim como ameaças de desemprego e também necessidades, imperiosas, de educação e formação. Por outro lado, a concentração urbana está a transformar-se numa acumulação vertical de pessoas, tanto para viverem como para trabalharem, tornando-as mais distantes e isoladas umas das outras.
O avanço das comunicações e meios de informação possibilita a rápida deslocação de um pólo para outro, bem como a participação, em directo e ao vivo, nos acontecimentos. A transposição de fronteiras - que antes separavam raças, países e continentes e o contacto com diferentes formas de cultura - conduzem ao esquecimento de crenças, normas e valores, outrora jurados e defendidos como sagrados e imutáveis.
O relacionamento nas famílias, nas escolas, nas empresas, enfim, nos diferentes grupos sociais está em acentuada efervescência. O modelo tradicional de autoridade, muitas vezes a resvalar para o autoritarismo, é posto em questão.
O mundo, à imagem da Arca de Noé, está a transformar-se numa grande barca que transporta toda a humanidade. Aí se encontram passageiros de primeira, segunda, terceira e… também alguns “clandestinos” o que provoca brigas e desinteligências. Por isso não me parece estranho que, actualmente, muitas pessoas sintam ou voluntariamente procurem, sobretudo nas grandes urbes, um certo isolamento ou anonimato. Não se conhece o vizinho do andar da frente, nem há grande interesse em conhecê-lo. Dos outros condóminos, como por exemplo o do andar de cima, a única referência que se tem é o ruído do aspirador, o som do rádio ou da televisão, o barulho das canalizações, o choro do bebé e, de vez em quando, uma gargalhada ou um grito de mau humor. E, ao encontrarem-se no elevador, tudo se reduz à troca de uma breve saudação e, por vezes, falam do frio ou do calor que se faz sentir.
Recuo à imagem que guardo da minha infância, da minha adolescência e que ainda tento preservar. Nesse tempo, as pessoas tinham mais tempo. Demoravam-se. Diziam as palavras sílaba a sílaba, sorriam com vírgulas nos lábios. Não faziam uma pergunta, exigindo uma resposta de imediato. Esperavam, isentas de qualquer desafio.
Hoje, não. Hoje não se sabe demorar nos patamares ou varandins, onde ainda os há. Se alguém nos acena, quase que não lhe podemos acenar. Se alguém nos mostra um objecto que o deslumbrou, quase que não o vemos. Se alguém se lamenta de um morto querido, nem o nome do morto se ouve.
Entrámos num tempo essencialmente profano, contínuo, implacável e perdemos a noção da existência de um tempo de encontros vagarosos, de festa e de entendimento. Vive-se em linha recta e no desencontro de momentos, os quais foram outrora agradáveis. Está-se em fuga, ultrapassando todos os possíveis encontros. Cada vez mais isolados uns dos outros. Sem se dar por isso, tendo o deserto à nossa frente. E assim vai o Mundo.
Publicado no Distrito de Portalegre em 14.05.2004
Manuel Morujo