sábado, 17 de setembro de 2016

PORTALEGRE-UM MISTO DO PASSADO COM O PRESENTE

A tarde escurecia, rapida­mente. No Verão, o dia é enorme mas o crepúsculo também chega. Dura, quão o Sol o deixar viver. 
Sinto-me angustio­so, melancólico, revoltado. De­cido-me a sair de casa e po­nho-me a percorrer as ruas da minha cidade, sem destino e solitário como um condenado na sua cela, fugindo de mim.
De­sencaminhado na solidão, co­meço a perder o rumo. Sinto-me disperso e mais só do que nunca. Quero conhecer o se­gredo das coisas e das almas.
De repente, paro. "Acordo" e dou comigo frente à Casa do Poeta, José Régio:

Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí.

Cântico Negro. Recordo o passado, tento entender o presente, não sei se desejo o futuro.
Um pouco adiante, rendido ao cansaço, sento-me num banco debaixo de uma árvore a qual deixa passar uma luz vinda daqueles candeeiros inexistentes ali nos tempos estudantis. Escuto a voz de tudo o que sinto.
“A minha Pátria é a Língua Portuguesa”, veio-me à memória Fernando Pessoa:

Que angústia me enlaça?
Que amor não se explica?
È a vela que passa,
Na noite que fica.

Já é tarde. A noite caiu e está agradável com a brisa fresca que se faz sentir. Levanto-me e caminho pela cidade velha. De soslaio, tenho ainda tempo de ver que as arrojadas chaminés já não brotam fumo na direcção da cidade. Num ápice, início a caminhada pela principal artéria da cidade:

José Maria Alves, Padaria Marques, Alfaiataria Traguil, Caixa Geral de Depósitos, Sede do Turismo de Portalegre, Mercearia Carichas, Mansão Alto Alentejo, Fábrica dos Pirrolitos do Sr. Correia, Sr. Mota, Tipografia Casaca, Tasca do Comandante dos Bombeiros, Café Alentejano, Salchicharia Raimundo, Sr. José Augusto, J, Facha, Café "A Leitaria", Café Vitória, Casa Roque,  João Morujo, Sr. Silvino Henriques da Silva, Alfaiataria Moutoso, Sr. Teixeira, Sr. Monte Empina, Casa Chiado, Farmácia Esteves Abreu, Ourivesaria Elias, Sr. João dos Bigodes, Sr. Alcobia Marques, Sr. Manuel Azinhais, Alfaiataria Albano Durão, Mercearia Pinheiro, Casa Ferreira, Pérola Comercial, Sr Júlio Margalho, Casa Piçarra, Sr. Filipe José Quezada, Sr. António Ribeiro, Casa de Bordados Oliva, Casa Vaqueiro, Casa Nini, Quesada&Cardoso, Sr. Tiago, Ourivesaria Árias-I, Sapataria Ramos, Padaria Esteves Moreira, Sr. Felisberto, Banco Nacional Ultramarino, Alfaiataria Hernâni, Sr. Custódio Silva, Café Central, Correios de Portugal, Sapataria Sanches, Salchicharia Brito, Sr. José Cardoso, Casa Ascenção, Casa Formidável, Fotógrafo Rosiel, Sr. Hermínio de Castro, Sr. Martins, Sr. Umbelino, Alfaiataria Manuel Cabecinha, Sr. António Pereira, Casa Mirra, Sr. Francisco Paiva, Electro.Central, Farmácia Nova, Sr. Lourinho, Ourivesaria Cabecinha, Casa Singer, Sr. Godinho, Padaria Baptista, Barbearia Pardal, Sr. Guanilho, Sr. Joaquim Ribeiro, Casa Nuno Álvares, Pastelaria "A Tentadora", Chapelaria e Camisaria Garcia, Casa Silva Freitas, Sapataria Camejo, Sr. Fitas, Sr. Milhano, Sr. Domingos Marchão, Sr. Manuel Vintém, Casa Tapadinhas, Sr. Casanova, Casa das Sedas-Sr. Simão, Companhia de Seguros Ultramarina, Tinturaria Espiga, Ourivesaria Árias-II, Sr. Cruz, Café Luso, Mercearia Rodolfo, Casa Papafina, Cegrel, Sr. Casimiro Bezerra, Café Facha, Casa Raimundo, Estação de Serviço Sonap, Cervejaria Tropical e, quase sem dar por isso…Palácio Póvoas.

Na rua, que deixei para trás sem vozes e sob a luz fresca da Lua, cruzei-me apenas com um ou outro canídeo que procurava um ou outro alimento descuidado, que o satisfaça.
Nostálgico, olho sem nada ver. Nesse instante, pareceu-me ouvir alguém chorar lamentando a partida que o destino pregou aos Portalegrenses. Era alguém que ali deixou muitas décadas da sua vida com uma entrega e dedicação incompreendida. Outrora, esta artéria era o coração da cidade, hoje sem coração, sem respiração, sem alma…apenas memórias.
Ponho-me a caminho de casa e recordo o Poeta Cristóvão Falcão:

Todo o bem dura um momento,
O mal é de todo o ano
Por breve contentamento,
Grande tempo, grande engano.

A minha homenagem a todos aqueles que já partiram (não só aos aqui referidos) e que fizeram desta cidade um espaço do qual nos orgulhávamos.

(Manuel Alberto Morujo)

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