quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O ISOLAMENTO

Mas…o que está a acontecer?
“É pena a gente abandonar tudo aquilo com que viveu”.
Leão Tolstoi (1828 - 1910)
A expansão das economias faz do mundo um mercado aberto e interdependente, o que exige uma actualização permanente de conhecimento. Também o crescimento da população mundial traz consequências de vária ordem no âmbito social e ambiental, nas áreas alimentar e habitacional, assim como ameaças de desemprego e também necessidades, imperiosas, de educação e formação. Por outro lado, a concentração urbana está a transformar-se numa acumulação vertical de pessoas, tanto para viverem como para trabalharem, tornando-as mais distantes e isoladas umas das outras.
O avanço das comunicações e meios de informação possibilita a rápida deslocação de um pólo para outro, bem como a participação, em directo e ao vivo, nos acontecimentos. A transposição de fronteiras - que antes separavam raças, países e continentes e o contacto com diferentes formas de cultura - conduzem ao esquecimento de crenças, normas e valores, outrora jurados e defendidos como sagrados e imutáveis.
O relacionamento nas famílias, nas escolas, nas empresas, enfim, nos diferentes grupos sociais está em acentuada efervescência. O modelo tradicional de autoridade, muitas vezes a resvalar para o autoritarismo, é posto em questão.
O mundo, à imagem da Arca de Noé, está a transformar-se numa grande barca que transporta toda a humanidade. Aí se encontram passageiros de primeira, segunda, terceira e… também alguns “clandestinos” o que provoca brigas e desinteligências. Por isso não me parece estranho que, actualmente, muitas pessoas sintam ou voluntariamente procurem, sobretudo nas grandes urbes, um certo isolamento ou anonimato. Não se conhece o vizinho do andar da frente, nem há grande interesse em conhecê-lo. Dos outros condóminos, como por exemplo o do andar de cima, a única referência que se tem é o ruído do aspirador, o som do rádio ou da televisão, o barulho das canalizações, o choro do bebé e, de vez em quando, uma gargalhada ou um grito de mau humor. E, ao encontrarem-se no elevador, tudo se reduz à troca de uma breve saudação e, por vezes, falam do frio ou do calor que se faz sentir.
Recuo à imagem que guardo da minha infância, da minha adolescência e que ainda tento preservar. Nesse tempo, as pessoas tinham mais tempo. Demoravam-se. Diziam as palavras sílaba a sílaba, sorriam com vírgulas nos lábios. Não faziam uma pergunta, exigindo uma resposta de imediato. Esperavam, isentas de qualquer desafio.
Hoje, não. Hoje não se sabe demorar nos patamares ou varandins, onde ainda os há. Se alguém nos acena, quase que não lhe podemos acenar. Se alguém nos mostra um objecto que o deslumbrou, quase que não o vemos. Se alguém se lamenta de um morto querido, nem o nome do morto se ouve.
Entrámos num tempo essencialmente profano, contínuo, implacável e perdemos a noção da existência de um tempo de encontros vagarosos, de festa e de entendimento. Vive-se em linha recta e no desencontro de momentos, os quais foram outrora agradáveis. Está-se em fuga, ultrapassando todos os possíveis encontros. Cada vez mais isolados uns dos outros. Sem se dar por isso, tendo o deserto à nossa frente. E assim vai o Mundo.
Publicado no Distrito de Portalegre em 14.05.2004
Manuel Morujo

1 comentário:

  1. Suas palavras descrevem muito bem o "individualismo" que vivemos, não só com nossos vizinhos de porta "desconhecidos" como outro comportamento que me chama muito a atenção: qdo pego um ônibus por exemplo, vejo que a maioria das pessoas está "ligada" no seu mp3 mp4 etc... é como se fosse mais um aviso:"Estou na minha, me deixa"... Assim vejo esse isolamento muito mais intenso. É realmente uma pena.

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