domingo, 12 de fevereiro de 2012

UM DIA NA VIDA DE UM PORTUGUÊS, NUMA GRANDE URBE


Bem cedo acordou, como ha­bitualmente, gemendo e prague­jando por ser mais um dia de trabalho. Enquanto ouvia um barulho familiar que vinha do resto da casa, onde a mulher num corrupio ralhava com os miú­dos para que se apressassem e, ao mesmo tempo, lhes preparava o lan­che, foi-se lavar e vestir, repetin­do os gestos diários. Olhando-se ao espelho, via um parvo a olhar para ele a perder a juventude confirmada pelos poucos cabelos grisalhos que teimavam em aparecer.

Passado algum tempo, saiu de casa com a mulher e os filhos a reboque. E logo perdeu a paciência porque um dos elevadores estava avariado e o outro tardava em chegar. Finalmente, exclamou. Lá entraram no carro e a mulher, uma vez mais, disse-lhe que o carro estava indecente e como foi possível deixá-lo chegar àquele estado. Ele, nem lhe respondeu.


Chegados à escola, ali deixou os filhos. De seguida, abriu o rádio que começava a dar as notíci­as. Ficou ainda mais maldisposto pois a temática do noticiário era sobre a crescen­te poluição, a seca, a fome, a SIDA, a violência doméstica e as guerras. O trânsito emperrava e logo culpou o Governo por não resolver aquele cancro, apesar de ser do partido em que votara. Afi­nal são todos iguais, disse para a mulher. O que eles querem é po­leiro e depois estão-se borrifan­do para os contribuintes honestos, acrescentou. Pois, porque sendo empregado e não podendo fu­gir aos impostos, via os ricos ainda gozarem com os tansos como ele.

Minutos depois, deixou a mulher no empre­go e, um pouco mais à frente, parou o carro. Apressadamente, chegou ao seu local de trabalho. Como sempre, e após mais de duas ho­ras de ter acordado, ouviu mais uma reprimenda do chefe, que aguardava já a sua chegada. Ansiosamen­te, desculpou-se, uma vez mais, com o trânsito caótico com que todos os dias tinha de lidar.

Durante toda a manhã o te­lefone tocou e, já quase à hora de almoço, ainda não tinha entregado ao chefe o que este lhe pedira. Aproveitou a saída dos colegas, e da telefonista, para completar o trabalho. Este, concluído, deixou-o na secretária do chefe e saiu  para a rua cheio de fome, em direcção a uma tasca onde almo­çava, habitualmente, e que já es­tava cheia àquela hora. Por isso, teve de comer de pé uma sopa e uma sandes de paio ou lá o que era aquilo.

O resto do dia foi, como nor­malmente, muito atarefado. Quando deixou o local de trabalho já a noite se avizinhava e iniciou o circuito inverso, depois de apa­nhar a mulher e os filhos. A hora de jantar, tardia como sempre, serviu para que os filhos, cansa­dos e agitados, discordassem do "menu". Foi preciso pôr ordem na mesa, com a mãe a dizer que não se pode comer só bifes, hambúrgueres ou pizas.

De seguida sentou-se no sofá com o jornal que tinha com­prado ao almoço, enquanto a mulher arrumava a cozinha e os filhos estavam no quarto agar­rados à consola de jogos. Final­mente, os dois viam a televisão em sossego, até porque os miú­dos, cheios de sono, não tarda­ram a meter-se na cama. Mas foi por pouco tempo pois a noite já ia avançada. E e o amanhã era outro dia. Cansado, e com sono, foi-se deitar. E SONHOU, SONHOU UMA VEZ MAIS QUE:

A demagogia, as promessas impossíveis e a má fé tinham sido banidas da publicida­de, libertando as pessoas da pressão esmagadora e aniquiladora das vontades e das consci­ências;

Os meios de comunicação social, em especi­al as televisões, tinham tomado consciência do seu papel de informa­dores, e de formadores, das socieda­des e que passavam a nortear a sua actuação por critérios de qualidade e de utilidade, em vez da lógica das audiências que ni­velam por baixo;

A todos os tra­balhadores tinham sido propor­cionadas condições de higiene, segurança e saúde nos seus lo­cais de trabalho e que os servi­ços públicos passariam a cum­prir a sua função;

O tão propala­do desenvolvimento e progresso era uma realidade, com um ver­dadeiro ordenamento do territó­rio que impedisse as assimetrias regionais, o crescimento desme­dido das cidades e a desertificação dos campos;

Era possível andar mais devagar, às ordens da vida, respeitando os ritmos biológicos do universo, ter tem­po... para ter tempo;

SONHOU, e continuou a SONHAR, pois a realidade a que aspira só é possível concretizá-la em...SONHOS. Até quando…


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