A tarde escurecia,
rapidamente. No Verão, o dia
é enorme mas o crepúsculo também chega. Dura quão o tempo o deixar.
Sinto-me angustioso, melancólico,
revoltado. Decido-me a sair de casa e ponho-me a percorrer as ruas da minha cidade, sem destino e solitário como um condenado na sua cela,
fugindo de mim. Desencaminhado na solidão, começo a perder o rumo. Sinto-me disperso e mais só
do que nunca. Quero conhecer
o segredo das coisas e das almas.
De repente, paro.
"Acordo" e dou comigo frente à
Casa do Poeta, José Régio:
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por
aí.
Cântico Negro. Recordo o passado,
tento entender o presente, não sei se desejo o futuro.
Um pouco adiante, rendido ao cansaço, sento-me num banco debaixo de uma árvore a qual deixa
passar uma luz vinda daqueles candeeiros inexistentes ali nos tempos
estudantis. Escuto a voz de tudo o que sinto.
“A minha Pátria é a
Língua Portuguesa”, veio-me à memória Fernando
Pessoa:
Que angústia me enlaça?
Que amor não se
explica?
È a vela que passa,
Na noite que fica.
Já é tarde. A noite
caiu e está agradável com a brisa fresca que se faz sentir. Levanto-me e
caminho pela cidade velha. De soslaio, tenho ainda tempo de ver que as
arrojadas chaminés já não brotam fumo na direcção da cidade.
Num ápice, inicio a
caminhada pela principal artéria da cidade:
José Maria Alves, Caixa Geral de
Depósitos, Café Alentejano, Banco Pinto Sotto-Mayor, Sr. José Augusto, Alfaiataria
Traguil, Papelaria-Livraria José Tavares, João Morujo, Sr. Silvino Henriques da
Silva, Alfaiataria Moutoso, Sr. Teixeira, Sr. Monte Empina, Casa Chiado,
Farmácia Esteves Abreu, Ourivesaria Elias, Sr. João dos Bigodes, Sr. Francisco
Paiva, Sr. Alcobia Marques, Sr. Manuel Azinhais, Alfaiataria Albano Durão, Sr.
Pinheiro, Casa Ferreira, Pérola Comercial, Sr Júlio Margalho, Casa Piçarra, Sr.
Filipe José Quezada, Sr. António Ribeiro, Casa de Bordados Oliva, Casa
Vaqueiro, Casa Nini, Quesada&Cardoso, Sr. Tiago, Ourivesaria ÁriasI,
Sapataria Ramos, Padaria Esteves Moreira, Sr. Felisberto, Banco Nacional
Ultramarino, Alfaiataria Hernâni, Sr. Custódio SilvaI, Café Central, Correios
de Portugal, Sapataria Sanches, Salchicharia Brito, Sr. José Cardoso, Casa
Ascenção, Casa Formidável, Fotógrafo Rosiel, Sr. Hermínio de Castro, Sr.
Martins, Sr. Umbelino, Alfaiataria Manuel Cabecinha, Sr. António Pereira, Casa
Mirra, Sr. Francisco Paiva, Sr. Custódio SilvaII, Farmácia Nova, Sr. Lourinho,
Ourivesaria Cabecinha, Casa Singer, Sr. Godinho, Padaria Baptista, Barbearia
Pardal, Sr. Guanilho, Sr. Joaquim Ribeiro, Casa Nuno Álvares, Pastelaria A
Tentadora, Chapelaria e Camisaria Garcia, Casa Silva Freitas, Sapataria Camejo, Sr. Fitas, Sr.
Milhano, Sr. Marchão, Sr. Manuel Vintém, Casa Tapadinhas, Sr. Casa Nova, Casa das
Sedas Sr. Simão, Companhia de Seguros Ultramarina, Tinturaria Espiga,
Ourivesaria Árias II, Sr. Cruz, Café Luso, Mercearia Rodolfo, Casa Papafina,
Cegrel, Sr. Casimiro Bezerra, Café Facha, Casa Raimundo, Estação de Serviço
Sonap, Cervejaria Tropical e, quase sem dar por isso…Palácio Póvoas.
Na rua, que deixei
para trás sem vozes e sob a luz fresca da Lua, cruzei-me apenas com um ou outro
canídeo que procurava um ou outro alimento descuidado, que o satisfaça.
Nostálgico, olho sem nada ver. Nesse instante, pareceu-me ouvir
alguém chorar lamentando a partida que o destino pregou aos Portalegrenses. Era
alguém que ali deixou muitas décadas da sua vida com uma entrega e dedicação
incompreendida. Outrora, esta artéria era o coração da cidade, hoje sem coração, sem
respiração, sem alma…apenas memórias.
Ponho-me a caminho de
casa e recordo o Poeta Cristóvão
Falcão:
Todo o bem dura um
momento,
O mal é de todo o ano
Por breve contentamento,
A minha homenagem a
todos aqueles que já partiram (não só aos aqui referidos) e que fizeram desta
cidade um espaço do qual nos orgulhávamos.
(Manuel Alberto Morujo)
Caro amigo. Embora um pouco mais velho... desci consigo a rua, da Caixa Geral de Depósitos ao Rossio. Obrigado pelo passeio. Só quase permanece a Caixa Geral de Depósitos... Curioso não é?
ResponderEliminarLembro-me de alguns dos nomes mencionados e dos locais onde ficavam. Está quase tudo agora com outros nomes. Quando vou a Portalegre parece, a Rua do Comércio, a rua de uma cidade fantasma.Mas como só vou em tempo de férias fico sempre a pensar que noutros momentos terá mais vida. Será?
ResponderEliminarCaro Manuel,
ResponderEliminarConseguiste fazer uma viagem no tempo (cinquenta anos atrás), com um detalhe que a minha memória quase conseguiu acompanhar na totalidade. A Portalegre actual já não a conheço...
Um abraço.
Jesus
Desci a rua contigo e nesse meu passeio ainda consegui vislumbrar uma rua cheia de gente, cheia de vida , mas foi apenas um sonho e com penoso despertar, pois essa Portalegre já não existe,constato essa realidade nas minhas raras idas á minha cidade que infelizmente já não reconheço
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