terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O ZÉ ANDA TRISTE


“Os teus actos, e não os teus conhecimentos, é que determinam o teu valor”.
Johann Fichte (1762-1814)

Um dia destes encontrei o Zé, sozinho como sempre. Andava um pouco taciturno, cabisbaixo e melancólico. Cumprimentei-o, como sempre acontece. Mas desta vez, aproximei-me dele. Apesar de inicialmente ter feito questão de que não estava muito dado para conversas, lá reconsiderou e convidei-o a tomar um café. Sentados, iniciámos o diálogo:
- Sabes, caro amigo, cada vez estou mais desiludido com a política mas, acima de tudo, com os políticos.
- Mas a que se deve tão grande desânimo? Ainda há dois anos andavas tão crédulo, após alguém ter prometido que tudo iria mudar na tua vida e na dos teus concidadãos?
- Pois aí é que está a razão do meu descontentamento. Então não é que acreditei nele. Prometeu baixar os impostos, reduzir as listas de espera hospitalares, não investir em comboios e aeroportos, assim como submarinos e aviões, enquanto houver crianças com fome. Prometeu, também, diminuir a taxa de desemprego, melhorar as pensões e as reformas e, já me ia esquecendo, diminuir o défice.
- Mas o défice baixou e, se bem te recordas, ainda na semana passada era visível o contentamento do Primeiro – Ministro, no Parlamento, por ter sido reconhecido por Bruxelas esse esforço, o que levou à retirada de Portugal da “lista da negra dos não cumpridores”, como a França e a Alemanha. Ou tens dúvidas de que essa era a principal “herança” deixada pelo anterior Governo.
- Bem se vê que andas distraído. O défice real de 4,1% baixou para os 2,8%, mas à custa da hipoteca de dívidas ao City Bank, sem que seja do conhecimento público a taxa de juro aplicável.
- Sendo assim, a União Europeia não nos corta nos subsídios, uma vez que fomos “bons alunos” e não “cábulas” como acontecia anteriormente.
- Pois aí é que está a razão da minha discordância. Deixa-me dar-te um exemplo. Se uma família estiver em situação financeira débil e resolver hipotecar ou vender “as pratas herdadas da família”, naturalmente que resolve o problema. Mas fica sem património. E sem património não tem crédito. Por isso, discordo desta forma pouco transparente de reduzir o défice. Para já não falar sobre o aumento de impostos, (o I.V.A. desde há dois anos aumentou 2%), dos combustíveis (0,08 € desde Janeiro), das listas de espera que não diminuíram e também continua a haver crianças com fome. Em contrapartida, há dinheiro para os comboios e para os submarinos.
- Mas caro amigo Zé, estás demasiado pessimista. O Primeiro – Ministro também prometeu que, para o ano, os funcionários públicos irão ser aumentados e as pensões mínimas convergirão com o salário mínimo, até 2006.
O Zé que, embora não pareça, também sabe pensar, retorquiu:
- Estamos a pouco mais de um mês das eleições para o Parlamento Europeu e a pouco mais de cinco meses para as eleições Regionais nos Açores e na Madeira. Lá para os finais do próximo ano, haverá eleições para as Autarquias e, pouco depois, eleições Legislativas. E, em 2006, para a Presidência da República.
- E o que é que isso tem a ver com os aumentos anunciados?
- Tem a ver com o facto de que em Portugal se Governa tendo em conta os actos eleitorais, em detrimento das promessas eleitorais.
E lá foi cada um para o seu lado, após as despedidas.
(Manuel Alberto Morujo)
(Escrito em Maio de 2004. Era Primeiro-Ministro de Portugal, Durão Barroso)

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