“O tolo possui uma grande vantagem: está sempre
contente consigo mesmo”
Napoleão Bonaparte (1808 – 1873)
Hoje em dia, quando a maioria das
pessoas fala de televisão, o assunto principal é “A Realidade”. A curiosidade dos telespectadores já não é acerca de
quem é o pai da personagem principal da novela, já não se fala do tema do “talk
show” de ontem ou das piadas mais cómicas. Em vez disso, fala-se de quem foi
expulso pelo público ou de quem tem maior popularidade. Estou a referir-me,
como é óbvio, à saga actual que são os reality
show os quais tomaram conta das audiências, a par do futebol. O reality show corresponde a uma
tendência da televisão com condições para perdurar no actual contexto dos
média. Corresponde a
uma forma de activar as audiências, em forma de assuntos fúteis e ligeiros, fazendo as delícias de quem tem de programar
todos os dias. Explora, ainda, a expectativa das pessoas comuns de poderem vir
a ser figuras públicas.
Mas o mais curioso é que a “televisão realidade” é manifestamente
irreal. Há uma tensão entre a manipulação da produção e os comportamentos e
estratégias dos concorrentes, o que não invalida que haja coisas imprevistas no
programa. Na verdade, os editores e produtores sentam-se durante horas e horas
a visionar cassetes, a tecer fios da rede de intrigas e a procurar situações
para explorar. A edição estrutura e apura o drama no sentido de explorar a
resposta emocional dos telespectadores face aos acontecimentos.
Habituámo-nos a ter duas formas
de contar histórias: a comédia e o drama. Acaba por ser como no futebol. Neste,
utiliza-se um campo, escolhem-se os jogadores, explicam-se os objectivos e as
regras e depois liga-se a câmara para ver o que acontece. Com o reality show é a mesma coisa:
escolhe-se o local e os participantes, dá-se-lhes as regras e depois observa-se
o seu comportamento.
Há um outro aspecto que me parece bastante evidente como é o facto destes
programas exercerem uma influência na opinião pública, promovendo valores e um
certo imaginário. Isto consiste numa característica intrínseca deste
poderoso meio de comunicação de massas. O
facto de as pessoas se exporem por dinheiro, de aceitarem fazer coisas repugnantes,
em troca de prémio, promove um certo ideário que corresponde à prevalência do
dinheiro e do consumismo. A curiosidade sobre a vida alheia é uma faceta
sempre presente na vida em sociedade. Mas, ao surgir na televisão, atinge outro
significado. Não é o mesmo que algumas pessoas se encontrarem à volta do
tanque público para lavar roupa suja e coscuvilharem sobre um determinado contexto.
Todavia, se isso é feito para todo o País, em directo e horário nobre, a coisa é
diferente. Há algo mais profundo do que bisbilhotice. Quando se fala em reality show pensa-se em espectáculo,
em entretenimento, em jogo, sendo que alguns centram-se na exploração da vida
privada. Mas nem tudo é negativo. Uma componente interessante é a denúncia dos
problemas do quotidiano, dos problemas de certos grupos sociais, de certas
pessoas que vivem situações difíceis, que não encontram solução, e que o reality show projecta publicamente. Mas,
no fundo, o que as pessoas querem ver é quem vai ganhar, quem vai perder e as
estratégias dos concorrentes. Para muitos, não se trata senão de um concurso,
muitas vezes de mau gosto e pouco lúdico. Mas o povo gosta e a televisão
oferece. É a consequência lógica da tirania da consciencialização das massas,
da globalização do pensamento único, da necessidade de criar emoções e
alimentar o consumismo televisivo, em que os “actores” perdem todo o pudor para exporem os seus sentimentos.