sábado, 19 de novembro de 2016

POEMA A PORTALEGRE


Nos meus tempos de estudante, durante os anos sessenta,escrevi numa sebenta do meu curso liceal, um poema extravagante, bizarro e monumental...era um painel gigante, tosco, (de certa maneira), mas onde a cidade inteira, respirava à minha frente. Era um poema banal, febril e torrencial, ingénuo e adolescente, num estilo colegial, rasgado à luz natural, do meu sangue ainda quente; mas para mim, no entanto, era um poema brutal, sincero e original, cheio de angústia, raiva e espanto, onde pulsava a cidade, rua a rua, canto a canto; e à medida que o escrevia, com toda a sinceridade, cada verso por magia, revelava-se de repente, outro ângulo da "Verdade - Uma Verdade" calada - pulsando em grande plano, escondida na fachada, do ritmo quotodiano, de Portalegre cidade, Escrito de forma primária e muito influenciado, por um poeta estudado na seleta literária, dos meus tempos liceais, o meu poema estranho e louco, descrevia pouco a pouco, gente, situações, locais e ora me devolvia, num grito abafado e rouco, a vida como eu a via, na sua realidade, à luz clara do dia...ora, liberto ascendia, tão alto que me trazia, a "Luz da Eternidade"; e um halo de transcendência...certa espiritualidade...realçava a evidência, nua, de cada cena...como se houvesse um sentido, mais forte que o definido, na consciência plena, da sua expressão terrena...Poema?!...Um diário enorme, composto de vários poemas, diversas estrofes, conforme a natureza dos temas...poesia confessional e lírica, imprecatória e satírica, verso livre, sílabas métricas, quadras, oitavas, sextilhas, sonetos clássicos, redondilhas...um ensaio de formas poéticas: abria comigo na Sé, pensativo ali de pé, encostado à porta de entrada, "Quem é Deus?...Deus o que é?" ( quem me dera ter a fé desta gente ajoelhada)... e perdia-me a olhar, a luz branda dos vitrais, a brancura do altar, as imagens e os sinais, de vinte séculos de crênça, numa divina "Presença", mas por mais que eu procurasse, que no íntimo até rezasse, pondo em dúvida a razão, por mais eu me humilhasse, por mais que eu ajoelhasse, com a testa rente ao chão, nem um sopro dessa luz, de "Jesus belo na cruz", tocava o meu coração...só lá por momentos breves, sentia os Seus passos leves, apontando-me o caminho...mas as pistas que me abriam, logo se desvaneciam e eu ficava sozinho...e do fundo do meu nada, vinha-me imensa mágoa, uma angústia desesperada que me enchia os olhos de água..."Que chama me ardia no peito?, Que arquétipo me tocava?"...Havia um caminho estreito...uma lâmina esquiva, entre a luz e a razão, uma voz suave e viva, falava-me de perdão..., de um segredo iluminado, muito para além do verbo, mais ou menos confinado, à estreiteza do meu cérebro...de um sentido oculto e vago, libertário em qualquer trago, numa tasca de rotina, tão azul como um lago, tão terno como um afago...E fosse qual fosse a esquina ou a rua onde parava...(dois olhos de espanto e dor, um sorriso esverdeado, um abraço estertor, uma lágrima de falhado, gestos de um quotidiano, humilhado e esmagado, ao nível do ser humano) tudo eu interiorizava...e depois de tudo visto, de insónias de loucura, só a imagem de "Cristo se me impunha à sepultura...só a imagem de "Cristo", como um rio no coração, era para mim um misto, de angústia e libertação; e lembro-me de pensar isto: "esta calma multidão, no ritual a que assisto, de rastos em oração, desconhece o que quer que seja, seja O que for que deseja, que a tranquilize de vez, e para O encontrar rasteja, morre e não pestaneja, meu imbecil, não vês?!! Pára! Não procures mais! Lê por dentro estes sinais! Olha este Cristo à direita, tão triste a agonizar, e meu Deus! como deleita, a paz que nos faz chegar..."Divagava...divagava, até que o olhar prendia, numa trança tão bonita, sobre um pescoço lilás de alguém que eu conhecia...e eu quase sufocava, nessa harmonia infinita, que às vezes nos satisfaz, de concreta à luz do dia...depois esquecia Deus...os seus mistérios inefáveis e ficava idealizando vidas futuras, lares, céus e destinos insondáveis...
(continua)

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