terça-feira, 29 de novembro de 2016

PORTALEGRE COM GENTE...MAS SEM GENTE

Numa manhã destas resolvi dar uma volta, a pé, pela cidade. Não dei o tempo por mal empregado. Há coisas que, por vezes tão perto delas, não observamos com o devido tempo e cuidado. Refiro-me, por exemplo, ao parque habitacional da cidade. É visível a sua degradação. Casas velhas a ameaçarem ruína são em número tão elevado que merecem uma atenção especial e necessitam de uma intervenção imediata. Naturalmente que não é fácil. Mas é um desafio que importa encetar para que não venhamos a ter ocorrências desagradáveis, como já aconteceu. E foi precisamente ali, no coração da cidade que, neste fim-de-semana, encontrei “um velho companheiro dos bancos da escola” e que há muito não via. Como sempre acontece nestas ocasiões, levámos algum tempo a recordar o percurso levado por cada um. Passados esses preliminares, o meu “velho companheiro de escola” afirmou-me que era um portalegrense privilegiado. Admirado, perguntei-lhe a razão de tal afirmação. Retorquiu-me que, vivendo há vários anos em Lisboa, só assiste de longe ao que por aqui se passa e, pontualmente, sofre com os lamentáveis episódios e ocorrências que em Portalegre se vão dando. Perante o meu ar estupefacto logo acrescentou que era visível a degradação de Portalegre, enquanto centro económico relevante do Distrito e a base de reflexão útil para o nosso futuro colectivo. Após um período em que Portalegre foi estimulante, no qual parecia querer ter uma palavra no desenvolvimento do interior durante a década de sessenta, diversos erros cometidos, assim como alguns dados objectivos, tornaram todo esse esforço incapaz de sustentação e num lugar onde os cidadãos mais novos não se realizam. As manifestações recentes dessa queda inapelável são algumas e tristes. Preferiu não as referenciar, pois são conhecidas de todos. Antes, quis referi-las sob uma formulação mais “elegante”:
- a estratégia de então cedeu à preguiça e à incompetência; 
- a cooperação e a ambição derivaram para negociatas e rivalidades paroquiais;
- a altivez burguesa passou a parolice provinciana;
- a fixação dos melhores e de maior potencial foi vencida pela sua fuga.
O desnorte foi, e vai assim acontecendo, um pouco por toda a parte, desde os eleitos à administração e dos intelectuais aos partidos, até às elites jovens.
Após as despedidas, cada um se fez ao seu percurso. Meditei então nas palavras trocadas, com o meu “velho companheiro dos bancos da escola”, que me pareceram sensatas e actuais. Na verdade, a degradação não é só do parque habitacional. A degradação do colectivo é muito mais preocupante.
Por isso, o meu apelo às figuras de Portalegre que prosseguem nos seus pequenos territórios a sua actividade económica, social, investigadora e artística, aos “lagóias” que, espalhados pelo país e pelo mundo, souberam granjear reconhecimento - sem deixarem de manter um olhar atento sobre as suas origens - aos anónimos e clarividentes cidadãos de Portalegre, quer sejam “lagóias ou estrangeiros”, para encontrarmos forças para um grito de revolta individual e um esforço de renovação colectiva. É que, perdoem-me as excepções, não podem ser aqueles senhores aparelhistas partidários, carreiristas políticos, representantes associativos à procura de protagonismo e agentes económicos a tratar dos seus negócios particulares os que moldam a nossa imagem e falam em nosso nome. É tempo de em Portalegre haver respeito pela liberdade e condições para derrotar a cobardia e o medo e de criar uma sociedade em que os poderosos não enriqueçam à custa dos desfavorecidos. 
Manuel Morujo
Nov.2004

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