sexta-feira, 1 de julho de 2011

OITO ANOS DEPOIS, A MESMA SENSAÇÃO

Depois de ter estado, ontem, cerca de cinco horas a assistir ao debate da apresentação do Programa do Governo, o que voltou a acontecer hoje durante mais duas horas, recordei-me deste texto que escrevi e publiquei em Novembro de 2003. Por, infelizmente, me parecer tão actual, resolvi republicá-lo:

SEM IMAGINAÇÃO
Tomar atenção ao meio em que estamos inseridos, querendo descobrir o sentido das coisas, é trabalhar a imaginação. Confesso, no entanto, que me sinto disperso e, por isso mesmo, sem imaginação. Aliás, o mesmo se deverá passar com a maioria dos meus concidadãos que dificilmente conseguirão imaginar como se poderá sair desta crise profunda que, desde o último ano do século passado, tem, sucessivamente, perturbado, direi mesmo abalado, a sociedade portuguesa. 
No momento imediatamente anterior ao início desta minha crónica, acabei de ler uma notícia que textualmente transcrevo: “ os Portugueses vão perder poder de compra até 2005 “. É óbvio, que esta frase não será novidade para a grande maioria dos Portugueses, visto haver uma minoria muito reduzida, que não será afectada. Efectivamente, dias mais difíceis estão para chegar. Se observarmos, com atenção, não há um sector da vida pública que não se sinta inseguro, ou melhor, que se sinta satisfeito com a situação actual. Aqui e ali vão-se sentindo algumas perturbações e agitação social, que culminarão com grandes manifestações lá mais para o fim do mês. Mas o pior de tudo é que não há alternativa credível para alterar este estado de coisas. Estamos metidos num enredo, que se iniciou em 1986 com a entrada na Comunidade Europeia (hoje União Europeia). Se bem nos recordarmos, durante quinze anos foi gastar à rica, numa primeira fase com a teoria do “oásis”, numa segunda fase com a Expo e, mais recentemente, com os estádios de futebol. O reflexo duma estratégia mal delineada, nos últimos quinze anos, em que foi gastar dinheiros que não eram resultado de mais-valias por nós produzidas, levou à situação actual em que não se consegue reduzir o défice orçamental.

E quanto a nós Portalegrenses para aqui esquecidos neste canto lusitano, “onde só vem quem quiser”? Permitam-me apenas recordar que, nos últimos trinta anos, a cidade de Portalegre perdeu mais de dois mil postos de trabalho, só na indústria. E o que se avizinha, não é de forma alguma muito risonho. Face às circunstâncias, o futuro é mais negro do que o breu se continuarmos a não criar infra-estruturas que permitam a fixação dos nossos jovens, evitando que tenham de procurar outros horizontes "para tratarem da vida". Ainda que indelevelmente, a sociedade Portalegrense vive hoje acomodada. Até se compreende, embora tenha inconvenientes. Senão vejamos:
-os casados têm medo de ver os filhos com fome e desamparados;
-os que optam pela vida fácil das carreiras têm medo de não serem promovidos;
-os que alcançaram uma posição estável e segura têm medo de transformações;
-os que têm prestígio têm medo do advento dum mundo que discuta os fundamentos do seu prestígio;
-os que vivem à custa dos valores que defendem, receiam todos os outros valores.
Não há dúvida de que o medo desempenha assim, na vida dos homens, um papel importantíssimo. Por isso, não há debate, não há ideias. São poucos os que, para além do seu círculo de amigos, se pronunciam. Como se o debate e a confrontação das ideias fosse um tabu. E, assim sendo, o meu País, a minha Cidade, os meus concidadãos estão como eu: sem trabalhar a imaginação, sem descobrir o sentido das coisas.
Manuel Alberto Morujo
(Novembro de 2003)

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