terça-feira, 20 de novembro de 2012

POEMA DO RAUL CÓIAS DIAS


ADEUS
Sem óculos, não consigo ler nada.
Sinto que a velhice ou a morte se aproximam com passos de veludo.
E no entanto, rebenta-me a Primavera, no olhar, comovo-me com a ternura das andorinhas no beiral do telhado da minha casa, comovo-me com a miséria alheia e a minha vida, escorre-me como areia por entre os dedos...
Amo as crianças, pétalas deslumbradas no silêncio da sua graça.
E os adolescentes, reflexivos e atónitos entre o presente dos seus corpos florescendo e o futuro desconhecido, com o eco das palavras sentenciosas dos pais, no estribilho do ouvido...
E amo as mulheres, fontes de leite e vida, de seios flácidos, alimentando a espécie, numa generosidade irracional e instintiva.
E amo os corpos disformes, que com inocência vieram ao mundo...
Amo as paisagens, de qualquer estação do ano, porque a todas elas entrego resquícios da minha identidade absurda, à procura de uma luz que me pacifique interiormente.
E amo os desgraçados, porque possuem a graça de uma linguagem interior, onde a nossa é inferior, à do destino que estilhaça, por demais o seu amor.
E amo, tudo o que vi
e quanto me falta ver
tudo quanto conheci
e me falta conhecer
Amo tudo! Nada odeio!
Quero partir! Alegre e mudo
Com o coração tão cheio
De quanto vivi nesta vida
Que a morte me seja enleio
Grinalda, pérola, escudo
Mar imenso, paz vivida,
Para a Eternidade onde leio
Quem sou, quem fui, quase tudo…
Excepto a raiz donde veio a minha seiva florida…

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