sexta-feira, 21 de outubro de 2016

AS TASCAS EM PORTALEGRE NOS ANOS SESSENTA


Eram imensas as "tascas" em Portalegre, nos anos sessenta. Havia ruas em que, porta sim, porta sim, era um local de convívio e discussão, de copos e bebedeiras, de má-língua e novidades. Ouvia-se, em quase todas, "sai mais um copo de três, eu quero um de cinco". Ou "dá aí uma sandes de atum e um "carapulo" que eu pago quando receber". Não querias mais nada, "fiado só para a semana", retorquia-lhe o "taberneiro". 
Enumerá-las todas, seria difícil. Mas algumas eram tão emblemáticas, que muitos ainda se recordarão delas. O Romualdo, O João dos Bigodes, O Escondidinho, O João da Praça e O Marchão eram as mais conhecidas e, provavelmente, as mais concorridas. Mas, sem desprimor para todas as outras aqui referidas, ou omitidas, a que deixou maior marca foi, sem dúvida, o Marchão, as Catacumbas do Marchão. Ainda hoje, antigos colegas do Liceu me falam dela, com saudade, considerando mesmo que, esse "ex-libris portalegrense", nunca deveria ter acabado.
A foto que se segue, na qual podemos relembrar o proprietário, Sr. Domingos Marchão, o Sr. Tapadinhas, o Sr. José Alves (Zé Smoke), o Sr. João (Careca) e o Sr. Caldeira (que foi empregado de mesa no Café Central) foi obtida na entrada principal do lado da Rua do Comércio. Porém, esta não era a única via para aceder a estas instalações. Existiam nas traseiras, na Rua da Capela, mais duas entradas, uma das quais dava entrada directa a um reservado destinado a pessoas mais importantes da sociedade local e que bebiam "copos", e comiam "petiscos", como os outros, onde apanhavam também umas "bebedeiras"...em privado. O Sr. Diogo, figura carismática desta casa, rodopiava por tudo o que era sítio, degraus acima, degraus abaixo, subindo, e descendo escadas até à cozinha, numa azáfama constante sobre o olhar, e o comando, impenetrável do Sr. Marchão.




E, só para fazer crescer água na boca, quem não se lembra do bucho assado, da miolada de rins e dos túbaros de porco, dos amendoins, dos tremoços e das batatas fritas, dos peixinhos da horta e dos carapaus de escabeche, das empadas e dos croquetes de bacalhau, da cerveja Imperial de Coimbra e do tinto (ou branco) do Sr. Benvindo das Barradas? 
Como é bom recordar estes excelentes pitéus preparados pela esposa do proprietário!
Tempos passados, que bom recordar. Até parece que os estou a saborear, neste instante, tal a grata recordação que retenho. 
Nota: um abraço ao Jerónimo Lino Mendes que me cedeu a foto.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

QUE BOM RECORDÁ-LO, TAMBÉM, DRº RENATO


A campainha tocou e uma nova aula iria começar. Como sempre, os alunos aguardavam a chegada do Professor, em silêncio, pois o respeito por eles era enorme. "Good morning", assim se dirigia sempre aos alunos o Professor, enquanto se encaminhava para a secretária. Mas, naquele dia, os olhos dele bastante expressivos, e o seu bigode de "gentleman", exteriorizavam uma certa boa disposição o que, diga-se em abono da verdade, nem sempre acontecia, principalmente quando a sua "briosa" perdia. Hoje, vou proceder à entrega dos exercícios de redacção subordinados ao tema "Como passei o meu Carnaval" merecedores da mais elevada pontuação, alguns verdadeiras obras de arte, assim iniciou a aula. Conhecedores do seu enorme humor "britânico", cáustico e corrosivo, logo nos preparámos para o que viria a seguir. À medida que entregava os exercícios, vagarosamente e com comentários à mistura, os nervos iam-se apoderando de nós pois sabíamos que os últimos a serem entregues seriam aqueles que mais prazer lhe daria para brincar com o seu destinatário. E o último, a ser entregue,  foi realmente aquele que ele comentou mais exaustivamente. Terá sido a frase "caí do horse and I get a constipation" aquela que caíu no "goto" do Professor e que o levou, durante alguma tempo, a repeti-la nas aulas seguintes, brincando com o aluno que, por acaso, até era um dos melhores da turma na disciplina de Inglês.
Pois, certamente que alguns já adivinharam que o Professor era, nem mais nem menos, o Dr. Renato de Azeredo Costa. 


Licenciado em Germânicas, e também em Direito, foi um dos Professores mais carismáticos do Liceu e que deixou, em cada aluno, uma marca inesquecível. Pai de quatro filhos - recordo aqui a Isabel a filha mais velha que infelizmente já nos deixou, não há muito tempo - era fácil vê-lo acompanhado da esposa a "ir beber café" ao Alentejano, ou ao Facha na companhia do filho mais novo (ainda criança) a quem dava sempre meia-colher de café para saborear a bebida de que ele tanto gostava. Outra particularidade, para além do seu inesquecível cigarro, era trazer sempre consigo exemplares de palavras cruzadas retirados dos jornais, que fazia com uma mestria inigualável, tal era a sua cultura e conhecimento da Língua de Camões.
Tantas seriam as estórias
que aqui poderia trazer. Mas não quero terminar este testemunho sem referir que, naquele tempo, os alunos do Liceu tinham um Grupo de Serenatas e que sempre que saíam à rua, parávamos à porta da sua residência, na Rua cinco de Outubro, que, deliciado, nos ouvia e "matava" saudades do seu tempo de estudante em Coimbra, onde, segundo constava, tinha sido um verdadeiro...Estudante Coimbrão.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

DR. FRANCISCO BARROCAS, QUE BOM RECORDÁ-LO

Viver o presente e aguardando o futuro, mas sem esquecer o passado, é uma forma de sentir a vida. As vivências levadas à reflexão não são mais do que recordar o "eu" e tentar saber o motivo por que aconteceram assim e não de outra maneira. 
Um dia, no início de um novo ano lectivo,no Liceu Nacional de Portalegre, entrou na sala de aula um novo Professor que se dirigiu aos alunos com um sorriso "malandreco" e apresentou-se:"...sou natural da terra mais fina de Portugal, alguém sabe qual é? Levantei-me de imediato e disse, "Seda, sôtor". E a resposta não tardou: "bem podias ter ficado calado pois tu eras o único que sabias, já te conheço há muitos anos. O Dr. Francisco Barrocas, esse mesmo, era o Professor. Efectivamente, conhecia-o desde muito jovem.


O Dr. Barrocas, como era conhecido na cidade, foi um figura ímpar com uma cultura acima da média que gostava de "gozar" a vida, muito simpático e com um sorriso muito característico e quase sempre com o cigarro a acompanhá-lo. Deslocava-se com um passo lento, mas muito seguro, olhando sempre em seu redor como bom observador do mundo que o rodeava. Recordo-me, aquando do meu segundo ano liceal, ter-me ensinado Francês, na sua residência na Rua da Mouraria, onde já por ali deambulava uma menina muito bonita com cabelos bastante alourados, com sorriso constante e simpático como o Pai. Essa mesmo, era a Fernanda, sua estimada e muito querida filha.

   


Não resisto a contar mais uma pequena estória que se passou precisamente no dia vinte e três de Maio de mil novecentos e sessenta e três. Era Feriado Municipal em Portalegre e eu, com o meu Amigo Augusto Tavares, resolvemos ir passar o dia em Badajoz. Ambos, trajados com Capa e Batina, procurámos uma "boleia", perto do antigo  Posto de Viação e Trânsito nos Assentos que nos levasse até aquela cidade espanhola. Eis então que, a determinado momento, surge um automóvel com um casal aparentando os sessenta anos e, em Inglês, pergunta-nos o condutor se "éramos estudantes de Coimbra" e para onde íamos. Olhámos um para o outro e em uníssono respondemos "que sim" éramos  estudantes de Coimbra (uma mentira que nos abriria a porta do carro) e fomos então convidados a entrar. Lá fomos falando com eles, quanto o nosso conhecimento de inglês o permitia, fundamentalmente sobre Portalegre e Coimbra pois, felizmente, ambos conhecíamos a "cidade dos estudantes". Chegados a Badajoz, dirigimo-nos até ao Café Colon, local que frequentámos várias vezes sozinhos ou com os nossos Pais, situado no Largo do Ayuntamento local e perto da Calle de San Juan onde se compravam os caramelos e "outras coisas"... lá mais ao fundo Pedimos o habitual, calamares e coca-cola com uma rodela de limão. Em dado momento, eis que entra o Dr. Barrocas "muito bem acompanhado" e que ao ver-nos logo se dirigiu à nossa mesa. Levantámo-nos (hábito que tínhamos quando alguém mais velho, e neste caso nosso Professor, nos dirigia a palavra) e com a sua "voz grossa, mas colocada" disse-nos: Então o que andam estes dois "garanhões", sozinhos, por aqui a fazer? Tenham cuidado que vocês ainda são muito novos. Envergonhados, lá continuámos o nosso petisco e ele sentou-se a beber o seu café.
Mas o Dr. Francisco Barrocas, não foi apenas Professor no Liceu de Portalegre de várias disciplinas, tal era a sua cultura e conhecimento. Foi-o também na Escola Industrial e Comercial de Portalegre de onde se aposentou em 1986. Foi também, e para além de ter sido co-fundador do Colégio de Santo António, juntamente com o Dr. José Nunes e o Dr. Plínio Serrote, dirigente associativo do Sport Clube Estrela, da Sociedade Euterpe e do Clube de Pesca Desportiva do Alto Alentejo por exemplo. 
E aqui presto a minha homenagem ao Amigo, Professor e uma figura grada de Portalegre onde viveu a maior parte da sua vida.






quinta-feira, 6 de outubro de 2016

A IDA À FEIRA DAS CEBOLAS...NOS ANOS 50 E 60

Viver o presente e aguardando o futuro, mas sem esquecer o passado, é uma forma de sentir a vida. As vivências, levadas à reflexão, não são mais do que lembrar o "eu" e tentar saber o motivo por que aconteceram assim e não de outra maneira. Nos anos cinquenta, e sessenta, a população do Concelho de Portalegre aguardava, ansiosamente, o mês de Setembro e com ele a Feira das Cebolas. O comércio florescia nesses três dias que a Feira durava e os Feirantes faziam, também, grande negócio. A Rua do Comércio, assim como a Rua Cinco de Outubro, passando pelo Rossio e subindo até à antiga Escola da Fontedeira era um "fervilhar" de gente que se prolongava até altas horas da noite. Todavia, era quando nos aproximávamos do Plátano que sentíamos os primeiros indicadores que por ali havia "festa", com as "barracas" do torrão de Alicante e os rebuçados de ovos, assim como as primeiras sugestões para as crianças, as quais causavam as primeiras dores de cabeça aos Pais. Ó Mãe, eu quero um balão e um chupa-chupa dos grandes, ao que a progenitora respondia "compramos ali mais acima, são mais bonitos". E surgia a primeira beiça. Andando um pouco mais, começava a ouvir-se o barulho a aumentar, o som de música e o apregoar das(os) feirantes.



Não tardava, surgiam os primeiros aglomerados de cebolas e alhos, melancias e melões, não faltando os cestos de verga e as escadas de madeira para a apanha da azeitona que, não tardava, estava a chegar. 


E entrava-se no Jardim Público, o Jardim da Cascata eternamente para muitos, onde, de um lado e de outro, as "barracas" apinhadas de gente vendiam o mais diverso material. Aqui freguesa, "temos as últimas novidades vindas do estrangeiro", "compre qualquer coisa para a menina ou para o menino". No meio, junto a um dos muitos candeeiros de iluminação, uma senhora vendia algodão doce e também controlava uma máquina com a cara de uma bruxa, que, por dez tostões, lia a "sina" de um(a) mais ousado(a) que se aproximava. "Ó freguês, não quer disparar um "tirinho" ou atirar três bolas para ver se acerta nas latas, dá sempre prémio", convidava uma "feirante bem apessoada" e que, normalmente, tinha muitos fregueses.



E, finalmente, chegados ao local da diversão, o som era ensurdecedor. Mais uma voltinha no Carrocel, dá para o menino, para a menina e para toda a família, ouvia-se alto e bom som quer do Araújo quer do Alegria. Entretanto, um som mais forte surgia: era do "poço da morte" onde arrojados aventureiros em cima de uma moto, ou de um carro, enfrentavam as leis da física. E no recinto dos "carrinhos de choque", depois de alguma espera, lá chegava a vez de ir dar uma volta com aquela postura de condutor tipo o "acima, abaixo". Ó amigo, gritava alguém do avião prestes a levantar voo, pode por uma música do Paul Anka? E ouvia-se no altifalante, "não levanta, então puxe a alavanca.


E a noite já ia alta depois de várias subidas, e descidas, pelo recinto da Feira. 
Mas faltava algo ainda. Numa das laterais do Jardim, o cheiro a óleo quente era intenso. Os "massa-frita" (assim eram conhecidos os Portalegrense) faziam longas filas para saborearem as delícias da Famíla Mamede que fazia as melhores farturas, e malaquecos, jamais saboreadas, acompanhadas de um "cafézinho de balão".
E lá íamos para casa, felizes e contentes, por mais um evento que marcava a vida dos Portalegrenses...no tempo em que Portalegre era uma Cidade.>Viver o presente e aguardando o futuro, mas sem esquecer o passado, é uma forma de sentir a vida. As vivências, levadas à reflexão, não são mais do que lembrar o "eu" e tentar saber o motivo por que aconteceram assim e não de outra maneira. Nos anos cinquenta, e sessenta, a população do Concelho de Portalegre aguardava, ansiosamente, o mês de Setembro e com ele a Feira das Cebolas. O comércio florescia nesses três dias que a Feira durava e os Feirantes faziam, também, grande negócio. A Rua do Comércio, assim como a Rua Cinco de Outubro, passando pelo Rossio e subindo até à antiga Escola da Fontedeira era um "fervilhar" de gente que se prolongava até altas horas da noite. Todavia, era quando nos aproximávamos do Plátano que sentíamos os primeiros indicadores que por ali havia "festa", com as "barracas" do torrão de Alicante e os rebuçados de ovos, assim como as primeiras sugestões para as crianças, as quais causavam as primeiras dores de cabeça aos Pais. Ó Mãe, eu quero um balão e um chupa-chupa dos grandes, ao que a progenitora respondia "compramos ali mais acima, são mais bonitos". E surgia a primeira beiça. Andando um pouco mais, começava a ouvir-se o barulho a aumentar, o som de música e o apregoar das(os) feirantes.